Ao entrar no supermercado, Eduardo é surpreendido pela voz no alto falante.
– Bem vindo, Eduardo. Estamos aqui para servi-lo.
Eduardo se surpreende. Olha para um lado. Olha para outro. Procura uma câmera.
– Fique à vontade, Eduardo. Sinta-se em casa.
Ainda desconfiado, e envergonhado, dada sua costumeira discrição, Eduardo volta a caminhar.
– Eduardo. 37 anos. Pai da Elisa e do Sérgio. Marido da Sra. Rose. Temos prazer em servir sua família.
Cada vez mais sem graça, ele começa a empurrar o carrinho com pressa pouco habitual. Passa pela seção de fraldas.
– Fraldas para a Elisa, né Eduardo. Tamanho GG. Está crescidinha essa menina.
Eduardo olha para os lados. Vermelho de vergonha. Segue para a seção de temperos.
– Pimenta preta, Eduardo. Essa que você pegou a patroa não gosta.
Ele reconhece o erro. Troca o produto e segue apressado.
– Passou rápido pelas cervejas, Eduardo. Não vai tomar aquela hoje? Que pressa é essa? Eduardo. Nosso cliente fiel. Faz parte de nossa história. Foi casado com a Dona Selma, mas não deu certo. Agora está feliz com a Sra. Rose. Não é Eduardo?
Já ofegante. Eduardo deixa o carrinho de lado.
– Que isso? Não vai comprar nada, Eduardo? Que desfeita com a gente.
Ao passar por dois vizinhos, Eduardo desvia o olhar e finge escolher latas de azeitona.
– Você não engana ninguém, Eduardo. Olha aí, seu Lucas e Dona Cleide. Ele está fingindo que não viu vocês. Está fingindo que está escolhendo azeitonas. Nunca comprou azeitona na vida e agora essa falsidade.
Eduardo põe as latas com raiva na prateleira e sai andando escondendo o rosto com uma mão.
– Pôs as latas na prateleira toda nervosinha, derrubando tudo e agora tenta sair disfarçado. Toma jeito, Eduardo, você é pai de família. Nós estamos te vendo, Eduardo. Olha lá, está correndo para a seção de frutas. Quase derrubou a senhora que veio aqui pela primeira vez. Você aí na balança, feche o caminho com seu carrinho. Não deixe ele passar. Eduardo, está tentando dar meia volta gente. Que desespero, torceu o pezinho. Olha que jeito mais meigo de mancar. Nós vamos cobrar essa garrafa de Vodka que você derrubou, Eduardo. Vamos cobrar junto com aquele carnê que venceu dia 5. Ele mostrou o dedo pra gente pessoal. Está todo perdido. Não lembra da saída. Está mancando bem esquisito. Ih! Escorregou. Não sabe ler a placa de piso molhado, Eduardo? Não ajuda ele se levantar não gente. Isso, Eduardo. Corre mancando. Todo torto. Parecendo o Corcunda de Notre Dame. Errou, Eduardo. A saída é a esquerda. Ahhahhaah. Brincadeira, Eduardo. Você estava no caminho certo. Sai da frente gente, que o animal está fora de controle. Isso. Vai embora, Eduardo. De cliente igual a você a gente quer distância. E olha lá. Quase foi atropelado. Causou um engavetamento no semáforo. Que vergonha, Eduardo. Que prejuízo. Cuidado com a calçada. Olha lá. Torceu o outro pé. Que degradação da figura humana. Abraço para a Sra. Rose, Eduardo.
Rapidamente o clima no supermercado volta ao normal. Em seguida entra Artur, que é surpreendido pela voz no alto falante.
– Bem vindo, Artur. Estamos aqui para servi-lo…